Pfas agua: desafios no monitoramento, remoção em estações de tratamento e implicações regulatórias para a indústria

Pfas agua: desafios no monitoramento, remoção em estações de tratamento e implicações regulatórias para a indústria

Se você trabalha com tratamento de água, efluentes ou utilidades industriais, provavelmente já ouviu o termo “PFAS” surgindo em reuniões de segurança, auditorias ou discussões regulatórias. E quase sempre vem acompanhado de três reações: preocupação, dúvida e a pergunta inevitável: “isso já me afeta na prática ou ainda é assunto de laboratório e legislação futura?”.

A realidade é que o tema PFAS está saindo rapidamente do campo acadêmico e entrando no dia a dia das operações industriais, das estações de tratamento e das áreas de EHS, qualidade e compliance. Ignorar agora significa correr o risco de ter custos mais altos, surpresas em auditorias e até paralisações de operação no médio prazo.

O que são PFAS e por que preocupam a indústria

PFAS (substâncias per e polifluoroalquil, em inglês Per- and Polyfluoroalkyl Substances) formam uma grande família de compostos sintéticos usados há décadas em aplicações como:

  • Revestimentos antiaderentes (panelas, superfícies de processo).
  • Espumas de combate a incêndio (AFFF).
  • Impermeabilizantes de têxteis, couro e papel.
  • Fluidos de processo, lubrificantes especiais e aditivos industriais.
  • Eletrônica, semicondutores, galvanoplastia e indústria química fina.

Por que se tornaram um problema?

  • Muito persistentes: praticamente não se degradam nos processos naturais e nos sistemas de tratamento convencionais.
  • Muito móveis: podem se deslocar na água subterrânea, rios e redes de abastecimento.
  • Bioacumulação: alguns PFAS tendem a se acumular em organismos e ao longo da cadeia alimentar.
  • Risco à saúde: estudos associam a exposição prolongada a efeitos no sistema imunológico, hormonal e potencial carcinogenicidade para algumas moléculas (como PFOA e PFOS).

Na prática, isso se traduz em risco de:

  • Contaminação da água potável para consumo humano.
  • Passivo ambiental em aquíferos, lagoas de tratamento ou áreas de disposição de lodo.
  • Passivos financeiros e reputacionais para indústrias que utilizam ou utilizaram PFAS.

Para o responsável de ETA/ETE ou de utilidades, a pergunta-chave passa a ser: meu sistema atual de monitoramento e tratamento consegue lidar com PFAS ou estou “cego” para esse risco?

Desafios no monitoramento de PFAS em água

Diferentemente de parâmetros clássicos (DQO, DBO, metais, cloretos etc.), monitorar PFAS traz desafios específicos.

1. Concentrações extremamente baixas

Os limites regulatórios frequentemente estão na casa de ng/L (nanograma por litro), ou seja, partes por trilhão (ppt). Isso exige:

  • Métodos analíticos de alta sensibilidade (LC-MS/MS é o padrão).
  • Procedimentos de amostragem e preservação muito bem controlados.
  • Laboratórios com experiência específica em PFAS.

2. Risco de contaminação cruzada nas amostras

Muitas fontes comuns podem contaminar a amostra e “falsear” o resultado, por exemplo:

  • Frascos de amostragem com materiais que liberam PFAS.
  • Luvas, etiquetas, marcadores e até certos detergentes usados no laboratório.
  • Tubulações ou bombas de amostragem com componentes fluorados.

Por isso, é essencial seguir protocolos específicos recomendados pelos laboratórios especializados (uso de frascos adequados, evitar teflon, evitar certos tipos de plásticos, entre outros).

3. “PFAS total” x lista de compostos individuais

Outra dificuldade é decidir o que medir. Existem centenas (talvez milhares) de compostos PFAS. Reguladores e empresas costumam trabalhar com:

  • Lista de PFAS prioritários (ex.: PFOA, PFOS, PFHxS, PFNA, PFBS, GenX etc.).
  • Métodos de triagem (como TOP Assay ou métodos para “PFAS total”), que oxidam precursores e revelam a carga potencial de PFAS.

Na prática industrial, a estratégia mais comum tem sido:

  • Começar com uma triagem em pontos críticos (água bruta, efluente tratado, poços de monitoramento).
  • Evoluir para um plano rotineiro de monitoramento focado em compostos chave, de acordo com o risco do processo e pressão regulatória.

4. Onde monitorar na planta?

A escolha de pontos de amostragem faz diferença para entender a “história” dos PFAS no seu sistema. Alguns pontos típicos:

  • Água de captação (superficial ou subterrânea).
  • Entrada de ETA ou sistema de polimento para reuso.
  • Saída de ETA (água potável ou de processo).
  • Entrada e saída de ETE (efluente industrial e/ou sanitário).
  • Águas de lavagem de filtros, retrolavagem e drenagens de tanque.
  • Poços de monitoramento (quando há histórico de disposição de efluentes/lodo no solo).

Um erro comum é medir apenas na saída da estação. Quando o resultado já aparece acima de limites, você perdeu a chance de entender onde está a principal fonte interna e o que pode ser ajustado no processo.

Tecnologias de remoção de PFAS em estações de tratamento

Se o desafio de monitorar já é grande, remover PFAS da água é ainda mais crítico. Os tratamentos convencionais (floculação, decantação, filtragem rápida, lodo ativado, lagoas) têm eficiência muito baixa para a maior parte desses compostos.

Hoje, a abordagem mais realista é dividir em dois níveis:

  • Conter e remover da fase aquosa (fazendo “captura” dos PFAS).
  • Tratar ou dispor com segurança o resíduo concentrado (carvão gasto, resina exaurida, rejeito de membranas).

Vamos às principais tecnologias aplicáveis na prática industrial e em ETAs/ETEs avançadas.

Carvão ativado granular (CAG)

É hoje uma das soluções mais utilizadas para PFAS de cadeia longa (como PFOA e PFOS):

  • Boa eficiência para diversas moléculas PFAS, principalmente de cadeia longa.
  • Processo relativamente simples de operar.
  • Pode ser instalado como polimento final da água tratada.

Limitações:

  • Eficiência menor para PFAS de cadeia curta.
  • Necessidade de monitorar breakthrough (quando o PFAS começa a romper o leito).
  • Geração de um resíduo (carvão saturado) que precisa ser regenerado ou disposto com segurança.

Resinas de troca iônica

Resinas especialmente desenvolvidas para PFAS têm ganhado espaço, pois:

  • Podem ter maior capacidade de adsorção que o CAG para certos PFAS.
  • Tendem a ser mais eficientes também para PFAS de cadeia curta.
  • Permitem projeto de sistemas compactos, com alta taxa de remoção.

Por outro lado:

  • Exigem controle operacional cuidadoso (velocidade de escoamento, regeneração – quando aplicável).
  • O custo do meio adsorvente costuma ser mais elevado.
  • Gera, de novo, um resíduo concentrado (resina exaurida ou regenerante).

Membranas (nanofiltração e osmose reversa)

Para aplicações de água potável, reuso industrial de alta qualidade ou água de processo crítica, sistemas de membranas podem oferecer:

  • Alta remoção de muitos PFAS (especialmente osmose reversa).
  • Combinação com outros objetivos de qualidade (sais, dureza, sílica, matéria orgânica).

Entretanto, é fundamental lembrar:

  • Membranas não destroem PFAS, apenas concentram no rejeito.
  • Há impacto energético relevante (particularmente na osmose reversa).
  • É necessário ter estratégia clara para gerenciamento do rejeito.

Processos emergentes: destruição de PFAS

Várias tecnologias estão em desenvolvimento para a destruição química dos PFAS, como:

  • Oxidação supercrítica.
  • Plasma não térmico.
  • Processos eletroquímicos avançados.
  • Fotocatálise integrada a oxidantes fortes.

A maioria ainda está em estágios de demonstração ou piloto, com desafios de custo, escala e segurança. Porém, a tendência clara é combinar:

  • Captura localizada (CAG, resina, membrana) em correntes críticas.
  • Destruição centralizada do concentrado, via tecnologia específica, substituindo a simples incineração ou disposição em aterros.

Impactos operacionais e de custo para estações de tratamento

Para muitas empresas, a pergunta prática não é se PFAS é um problema ambiental, mas sim: quanto isso vai custar para a minha operação?

Algumas frentes de impacto:

1. Investimento em polimento adicional

Se a água de processo, potável ou o efluente tratado precisar atender a limites específicos de PFAS, provavelmente será necessário:

  • Adicionar unidades de polimento (CAG, resina, membranas) ao final do tratamento.
  • Adaptar automação, monitoramento online (quando aplicável) e rotinas de amostragem.

2. Custos recorrentes de reposição de meios

Carvão ativado e resinas têm vida útil finita, que depende:

  • Da carga de PFAS e outros orgânicos na água.
  • Da vazão de operação.
  • Da estratégia de operação (ex.: leito simples ou duplo em série).

Ignorar o efeito de outros contaminantes competindo por adsorção é um erro clássico que reduz muito a eficiência e a vida útil dos meios.

3. Geração de novos resíduos perigosos

Ao “tirar” PFAS da água, estamos concentrando essas substâncias em:

  • Carvão ativado saturado.
  • Resina exaurida ou solução regenerante.
  • Rejeito de membranas.
  • Lodos de processos auxiliares.

Isso implica:

  • Classificação adequada desses resíduos (potencialmente perigosos).
  • Custos de transporte e disposição em instalações licenciadas.
  • No futuro, possivelmente regulamentos mais rígidos também para esses resíduos.

4. Risco de retrabalho e paralisações

Esperar o tema “estourar” na sua região para agir pode significar:

  • Correções emergenciais e caras no sistema de tratamento.
  • Interrupções de operação até atingir limites legais.
  • Necessidade de contratar água de terceiros ou reduzir produção.

Por outro lado, quem antecipa o diagnóstico consegue planejar investimentos, testar tecnologias em piloto e negociar melhor com fornecedores e órgãos ambientais.

Cenário regulatório: Brasil, EUA, Europa e tendências

O cenário regulatório para PFAS está evoluindo rapidamente em todo o mundo, e isso impacta diretamente a indústria e os operadores de sistemas de tratamento.

Estados Unidos

  • A EPA vem estabelecendo níveis máximos para PFAS em água potável em patamares de partes por trilhão (ppt) para alguns compostos.
  • Vários estados adotam limites ainda mais rígidos e exigências específicas para monitoramento em efluentes industriais.
  • PFAS como PFOA e PFOS já foram classificados como contaminantes perigosos sob leis federais (como CERCLA), abrindo espaço para ações de responsabilidade ambiental.

União Europeia

  • Há uma proposta ampla de restrição de PFAS sob o regulamento REACH, o que pode afetar produção, uso e importação em toda a cadeia.
  • Diretivas de água potável e de águas subterrâneas já incluem valores guia para PFAS.

Brasil

O Brasil ainda está em fase inicial na regulamentação específica de PFAS, mas o movimento é claro:

  • Órgãos ambientais e de saúde acompanham as referências internacionais (OMS, EPA, UE).
  • Alguns estados e operadores de grande porte já iniciaram programas voluntários de monitoramento.
  • Empresas multinacionais que operam aqui muitas vezes aplicam padrões internos globais, mais rígidos do que a legislação local.

O que isso significa para quem está no chão de fábrica ou na operação de ETA/ETE?

  • Mesmo antes de limites formais nacionais, clientes, matriz global ou certificações podem começar a exigir dados de PFAS.
  • Investigar agora é mais barato que reagir depois, quando um limite for oficializado.
  • Empresas que demonstram gestão proativa de PFAS tendem a ter vantagem competitiva e reputacional.

Como as indústrias podem se preparar na prática

Transformar o tema PFAS em ações concretas exige uma abordagem estruturada. Abaixo, um roteiro prático que pode ser adaptado à realidade de cada planta.

1. Mapeie potenciais fontes internas de PFAS

  • Revise matérias-primas, aditivos e produtos auxiliares (espumas, impermeabilizantes, óleos especiais, fluídos de processo).
  • Verifique o histórico de uso de espumas de combate a incêndio em testes ou emergências (há algum tanque de drenagem específico? área de treinamento?).
  • Converse com fornecedores sobre presença de PFAS em produtos críticos e alternativas possíveis.

2. Avalie seus pontos de vulnerabilidade na água

  • Captação de água em região com histórico industrial, aeroportos, áreas de treinamento de bombeiros ou aterros industriais?
  • Lagoas de tratamento antigas, áreas de disposição de lodo ou infiltração de efluentes?
  • Reuso de água em circuito fechado sem monitoramento específico?

3. Estruture um plano inicial de monitoramento

  • Selecione alguns pontos chave (captação, saída de ETA, saída de ETE, poços de monitoramento).
  • Defina com laboratório acreditado (experiente em PFAS) uma lista de compostos e método adequado.
  • Comece com uma campanha diagnóstica (por exemplo, campanhas trimestrais) para entender se há presença significativa.

4. Teste tecnologias em escala piloto antes de investir pesado

  • Caso haja PFAS acima de níveis de preocupação, avalie CAG, resinas e (se fizer sentido) membranas, em escala piloto.
  • Meça não só remoção, mas também:
    • Vida útil do meio adsorvente.
    • Impacto de outros contaminantes.
    • Custo de disposição/gestão de resíduos.
  • Utilize os dados do piloto para dimensionar o sistema realista, evitando sub ou superdimensionamento.

5. Integre PFAS à sua gestão de risco e compliance

  • Inclua PFAS na sua análise de riscos ambientais e de saúde ocupacional, quando aplicável.
  • Atualize procedimentos de emergência envolvendo espumas de incêndio.
  • Revise contratos com prestadores de serviço (lavagem industrial, disposição de lodo, terceirização de tratamento) para tratar do tema PFAS.

6. Prepare comunicação com stakeholders

  • Mantenha registros organizados de laudos, estudos e ações de mitigação.
  • Em auditorias (clientes, certificações, órgãos públicos), mostre que o tema está sendo mapeado e gerenciado.
  • Para plantas com exposição significativa, avalie planos de comunicação transparente com comunidades e autoridades locais.

PFAS na água: de “assunto de futuro” a variável de projeto hoje

PFAS deixaram de ser curiosidade acadêmica e passaram a ser uma variável de projeto em sistemas de tratamento de água e efluentes, especialmente em setores como:

  • Químico, petroquímico e farmacêutico.
  • Têxtil, papel e embalagens.
  • Galvanoplastia e metalurgia.
  • Aeroportos, bases militares e indústrias com uso intensivo de espuma de combate a incêndio.

Para quem projeta, opera ou gerencia essas instalações, o caminho mais seguro é:

  • Entender onde e como PFAS podem entrar no seu sistema.
  • Começar um monitoramento inteligente, em pontos estratégicos, sem esperar obrigação legal.
  • Avaliar tecnologias de remoção e gestão de resíduos não como custo isolado, mas como parte da proteção do negócio contra passivos futuros.

Em outras palavras: PFAS são um desafio técnico, mas também uma oportunidade de elevar o nível de controle de qualidade e de gestão ambiental da sua planta. Quem começar a tratar desse tema agora estará em posição muito mais confortável quando as exigências regulatórias apertarem – e isso é uma questão de “quando”, não de “se”.