Novas moléculas biocidas e sua aplicação segura no controle microbiológico de sistemas aquosos industriais

Novas moléculas biocidas e sua aplicação segura no controle microbiológico de sistemas aquosos industriais

Biofilme, corrosão, trocador de calor perdendo eficiência, odores desagradáveis, reclamação do cliente final… em boa parte dos casos, o “vilão invisível” é o mesmo: micro-organismos crescendo em sistemas aquosos industriais. E, para controlá-los, os biocidas continuam sendo ferramentas essenciais. Mas o cenário está mudando rápido: novas moléculas vêm sendo desenvolvidas para responder a pressões regulatórias, demandas de sustentabilidade e maior complexidade dos processos.

Neste artigo, vamos olhar de forma prática para essas novas moléculas biocidas e, principalmente, como aplicá-las com segurança e eficiência no controle microbiológico de sistemas aquosos industriais, como:

  • Sistemas de resfriamento (torres, chillers, condensadores)
  • Circuitos fechados de água industrial
  • Sistemas de água de processo e utilidades
  • Águas de lavagem e CIP em indústrias de alimentos e bebidas
  • Sistemas de água para uso geral em plantas químicas e petroquímicas
  • Por que falar em “novas” moléculas biocidas?

    Se já existem biocidas tradicionais que funcionam, por que investir em novas moléculas? Basicamente, por três grandes motivos:

  • Pressão regulatória (REACH, BPR na Europa, resoluções da ANVISA e CONAMA, entre outras)
  • Exigência de menor toxicidade e melhor perfil ambiental (biocidas “mais verdes”)
  • Maior complexidade dos sistemas (temperaturas variadas, materiais sensíveis, ciclos de concentração mais altos)
  • O resultado é uma busca por biocidas que:

  • Tenham amplo espectro (bactérias, fungos e algas)
  • Sejam eficazes em concentrações mais baixas
  • Tenham rápida degradação no ambiente, gerando subprodutos menos tóxicos
  • Interajam bem com outros tratamentos químicos (anticorrosivos, antincrustantes, polímeros)
  • Sejam mais seguros para operadores e para o ambiente de trabalho
  • Na prática, isso significa sair da lógica exclusiva de isothiazolinonas, glutaraldeído, DBNPA e cloro/bromados, e incorporar novas gerações de moléculas ou novas combinações sinérgicas.

    Principais tendências em novas moléculas biocidas

    Não existe uma “molécula mágica” que resolva tudo. O que vemos, na prática, é um conjunto de tendências tecnológicas. Entre as mais relevantes:

    Biocidas baseados em liberação controlada

    Sistemas de liberação controlada vêm ganhando espaço em aplicações onde o pico de concentração seguido de queda rápida não é desejável. A ideia é liberar o agente biocida de forma gradual, mantendo uma concentração efetiva por mais tempo, com menor risco de subdosagem e menor necessidade de intervenção manual.

    Algumas aplicações típicas:

  • Resfriamento em locais remotos, com pouca frequência de visitas técnicas
  • Sistemas onde a variação de carga microbiológica é grande ao longo do dia
  • Aplicações em que a segurança de manuseio é crítica (redução de operações de dosagem manual)
  • Essas tecnologias muitas vezes combinam um biocida conhecido com um “carreador” inteligente (polímeros, matrizes sólidas, cápsulas, etc.), que controla a taxa de liberação na água.

    Novas gerações de biocidas oxidantes “mais seletivos”

    Os biocidas oxidantes tradicionais, como cloro e bromo, continuam importantes, mas apresentam limitações bem conhecidas:

  • Formação de subprodutos organoclorados
  • Corrosão acelerada em determinados metais
  • Perda de eficácia em pH elevado ou na presença de alta carga orgânica
  • Novas moléculas oxidantes, ou combinações de oxidantes, têm sido desenvolvidas com foco em:

  • Ação mais seletiva sobre micro-organismos, reduzindo ataque a metais e polímeros
  • Melhor desempenho em faixas de pH mais amplas
  • Menor formação de subprodutos regulamentados
  • Um exemplo é o uso de sistemas baseados em liberadores de peróxidos ou perácidos otimizados, muitas vezes combinados com estabilizantes ou ativadores que ampliam a janela de eficiência em condições industriais reais.

    Moléculas não oxidantes de nova geração

    No campo dos biocidas não oxidantes, a tendência é clara: manter ou aumentar a eficácia microbiológica com menor toxicidade para o operador e menor impacto ambiental. Algumas características dessas novas moléculas e formulações:

  • Estruturas químicas desenhadas para rápida biodegradação após cumprir a função biocida
  • Alta afinidade com biofilmes (penetram melhor nas camadas aderidas)
  • Atuação sinérgica em blends (combinações que permitem reduzir a dose total)
  • Em muitos casos, essas moléculas vêm substituindo ou complementando ativos clássicos, como glutaraldeído, em aplicações onde há:

  • Risco ocupacional percebido como elevado
  • Exigência de certificações ambientais
  • Contato potencial com produtos sensíveis (alimentos, bebidas, cosméticos)
  • Sinergias e blends inteligentes

    Um ponto central nas inovações recentes não é apenas a molécula em si, mas a forma de combiná-la. Em vez de apostar em um único “superbiocida”, a indústria tem adotado “blends inteligentes” que exploram sinergias:

  • Um biocida com alta ação de choque + outro com efeito residual prolongado
  • Um componente com maior ação sobre bactérias + outro com melhor efeito sobre fungos e algas
  • Combinação de biocida + dispersante de biofilme, para facilitar o acesso aos micro-organismos aderidos
  • Essa abordagem permite:

  • Reduzir as doses individuais de cada molécula
  • Diminuir o risco de desenvolvimento de resistência
  • Ajustar o pacote às condições específicas do sistema (pH, T, materiais, carga orgânica)
  • Segurança: o que muda com as novas moléculas

    Quando falamos em aplicação segura, não basta olhar a FISPQ e marcar alguns EPIs. As novas moléculas biocidas vêm acompanhadas de um pacote de requisitos que impactam diretamente a rotina da planta:

  • Novos limites de exposição ocupacional
  • Regras específicas de estocagem (temperatura, incompatibilidades, ventilação)
  • Exigência de monitoramento mais fino de resíduos na água tratada
  • Três pontos merecem atenção especial na prática:

    1. Classificação de perigo e comunicação interna

    Mesmo quando a molécula é “mais verde” ou “menos tóxica” que os biocidas tradicionais, ela continua sendo um agente biocida potente. É fundamental:

  • Atualizar fichas de segurança e procedimentos internos
  • Treinar operadores sobre riscos específicos (inalação, contato dérmico, reatividade)
  • Padronizar rotulagem e sinalização na área de estocagem e aplicação
  • 2. Compatibilidade com materiais e outros produtos químicos

    Novas moléculas podem reagir de forma diferente com:

  • Ligas metálicas específicas (inoxidáveis especiais, ligas de cobre)
  • Revestimentos (epóxi, borrachas, elastômeros)
  • Outros aditivos químicos (anticorrosivos, antincrustantes, dispersantes)
  • Na implantação, é essencial fazer um estudo prévio de compatibilidade, especialmente em sistemas antigos com materiais menos comuns.

    3. Impacto na estação de tratamento de efluentes

    Um erro clássico é focar no sistema de água de resfriamento ou processo e esquecer que tudo, no fim, vai parar na ETE. Biocidas mais estáveis podem:

  • Inibir a biomassa do tratamento biológico
  • Gerar compostos de difícil degradação
  • Comprometer metas de DQO, toxicidade e conformidade ambiental
  • Ao adotar novas moléculas, é importante avaliar:

  • Taxa de degradação no efluente
  • Produtos de transformação formados
  • Eventual necessidade de pré-tratamento ou diluição antes da ETE
  • Como selecionar um biocida moderno para seu sistema aquoso

    Na prática, a escolha de um biocida moderno e de sua forma de aplicação deve seguir uma lógica estruturada, e não apenas a comparação de rótulos ou preço por kg. Um roteiro útil inclui:

  • Caracterizar o sistema: temperatura, pH, materiais, tempo de retenção, pontos mortos, tipo de make-up (água de poço, superfície, reuso)
  • Entender o histórico microbiológico: dados de heterotróficos totais, SRB, fungos/algas, episódios de biofilme ou corrosão microbiologicamente influenciada (MIC)
  • Identificar restrições: regulatórias, de processo (contato com produto), de materiais, de saúde ocupacional
  • Definir a estratégia: regime de choque, contínuo, ou combinado; uso de oxidante + não oxidante; inclusão de dispersantes de biofilme
  • Simular o impacto na ETE: testes de bancada ou piloto se necessário
  • Somente depois desse passo a passo faz sentido comparar diferentes soluções em termos de:

  • Tipo de molécula biocida (oxidante, não oxidante, blend, liberação controlada)
  • Dose típica de trabalho (ppm ativos)
  • Perfil de segurança para operadores
  • Custo total de aplicação (não apenas o custo do produto, mas também frequência de dosagem, necessidade de monitoração, paradas, etc.)
  • Boas práticas de aplicação segura em campo

    Independentemente da molécula escolhida, algumas boas práticas são praticamente universais para garantir segurança e desempenho.

    1. Começar com um baseline bem definido

    Antes de trocar ou introduzir um biocida novo, é importante saber de onde você está saindo:

  • Registre dados de microbiologia (placa, ATP, teste rápido, microscopia, conforme o nível de controle da planta)
  • Documente pontos de problema (setores com maior incrustação, vazamentos, odores, reclamações)
  • Mapeie as condições operacionais médias e extremas (pH, T, condutividade, ciclos de concentração)
  • Sem esse baseline, fica difícil comprovar melhoria – e, principalmente, identificar rápido se algo deu errado na implementação.

    2. Ajustar dosagem e modo de aplicação de forma gradual

    A tendência em campo é querer resultados imediatos com uma “dose de choque” agressiva. Em sistemas sensíveis (por exemplo, com forte formação de biofilme e presença de MIC), isso pode soltar grandes quantidades de depósitos, levando a:

  • Entupimentos de linhas e filtros
  • Aumento temporário de partículas e corrosão
  • Impacto na ETE por descarga repentina de carga biocida
  • A recomendação é planejar uma transição em etapas, com monitoramento intensivo nos primeiros dias/semanas.

    3. Profissionalizar o manuseio e a dosagem

    Novas moléculas muitas vezes vêm em formulações concentradas, com requisitos específicos de manuseio. Alguns cuidados práticos:

  • Usar sempre dosagem automática quando possível (bombas dosadoras, sistemas de diluição, skid dedicado)
  • Evitar ao máximo transferências manuais de tambores, com risco de respingos ou inalação
  • Garantir EPIs adequados e treinamentos periódicos, com ênfase nos riscos reais do produto usado
  • Monitoramento: sem dados, não há controle microbiológico

    Com moléculas mais modernas, o monitoramento deixa de ser algo “de vez em quando” para tornar-se parte essencial da própria estratégia. Algumas práticas importantes:

  • Combinar métodos rápidos e tradicionais: testes rápidos (ATP, luminometria) para resposta operacional + cultura em placa para registros históricos
  • Monitorar biofilme, não apenas água: cupões de corrosão, probes de biofilme ou pontos de inspeção visual ajudam a entender o que realmente está acontecendo nas superfícies
  • Registrar eventos de processo: paradas, variações de carga, trocas de produto, choques de limpeza – tudo isso afeta diretamente o comportamento microbiológico
  • Em projetos em que novas moléculas biocidas foram implantadas com sucesso, um ponto em comum quase sempre aparece: disciplina no monitoramento e ajustes baseados em dados, não em sensação.

    Erros comuns ao adotar novas moléculas biocidas

    Alguns erros se repetem com frequência quando uma planta decide modernizar seu controle microbiológico:

  • Escolher apenas pelo “rótulo verde”: um perfil toxicológico melhor é desejável, mas não compensa uma solução ineficiente ou incompatível com o sistema
  • Subestimar a importância da compatibilidade: ignorar interação com materiais, outros aditivos e com a ETE pode gerar problemas mais caros do que o próprio controle microbiológico
  • Mudar tudo de uma vez: trocar biocida, regime de aplicação, fornecedor e parâmetros de operação simultaneamente dificulta identificar a causa de qualquer desvio
  • Não envolver a operação: quem vai manusear e acompanhar no dia a dia precisa entender o porquê da mudança, as vantagens esperadas e os cuidados necessários
  • Para onde estamos indo no controle microbiológico de sistemas aquosos

    A tendência é clara: biocidas mais específicos, mais seguros e mais alinhados com critérios de sustentabilidade. Mas isso não significa que o trabalho ficará mais simples. Pelo contrário:

  • Exige-se mais conhecimento técnico para selecionar e combinar moléculas
  • O monitoramento ganha um papel ainda mais central
  • A integração com o tratamento de efluentes e com a gestão ambiental passa a ser obrigatória
  • Empresas que enxergam biocidas apenas como “um produto químico a mais” tendem a perder oportunidades de redução de custo total, aumento de confiabilidade operacional e melhoria de imagem perante clientes e órgãos reguladores.

    Já aquelas que tratam o controle microbiológico como parte estratégica da gestão de água e ativos industriais conseguem extrair o valor real das novas moléculas: menos paradas, menos falhas prematuras de equipamentos, maior segurança e melhor desempenho ambiental.

    Se sua planta está avaliando a adoção de novas soluções biocidas, o passo seguinte é transformar essa discussão em um projeto estruturado: diagnóstico detalhado, definição clara de objetivos (redução de corrosão, extensão de vida útil, melhoria de desempenho da ETE, etc.), piloto bem monitorado e, a partir daí, padronização com base em resultados mensuráveis.